A partir de uma visita que realizei em um Hospital destinado a tratamento de dependentes químicos e doentes mentais, tive a oportunidade de entrevistar um interno que apresentava um discurso, no qual vários elementos que podemos classificar como “delírio religioso” (Dalgalarrondo, 2008, p.158), ou “delírio místico” estavam presentes. Começei a partir desta experiência, pensar sobre a presença marcante deligião e da espiritualidade na experiência cotidiana de grande número de indivíduos, principalmente em nosso país.
A psicologia como parte das ciências da saúde depara-se a todo o instante em sua prática, com questões sobre o normal e o patológico. Mas de fato, até que ponto esta divisão está clara para a psicologia, principalmente quando há o envolvimento de questões relacionadas ao, historicamente ontroverso, tema das vivências espirituais?
É fato que, frente ao fenômeno das vivências espirituais, as mesmas experiências, dependendo da abordagem, podem ser chamadas de “delírio”, “fantasia”, “fenômeno subjetivo”, “experiência interna”, “vivência espiritual” etc. Aqui, quando utilizo os termos “vivência espiritual”, “experiêncispiritual”, ou “transpessoal”, faço referência as características e conceitos relativos à busca ou vivência direta da experiência do supra-sensível ou sagrado, podendo ou não vincular-se a uma religião.
Estes tipos de vivência contêm um grau de subjetividade e afeto que não pode ser facilmente expressada pelo pensamento lógico ou compartilhada sem o uso de subterfúgios metafóricos, sendo assim, quando transposta em linguagem, freqüentemente dá margem às interpretações que podem ser extremamente controversas e até patologizantes. Por exemplo, uma pessoa religiosa, independente da sua convicção doutrinária, pode ter uma visão subjetiva que influenciou seu modo de vida e atuação no mundo.
Para algumas abordagens psicológicas, isso pode ser visto como uma espécie de alienação, portanto enquadrada dentro de um viés psicopatológico. Mas
esta pessoa, por outro lado, pode ser muito saudável, dentro de parâmetros considerados normais em nosso modo de vida social. Penso aqui em um indivíduo que independente de suas vivências e crenças, atua em sua vida trabalhando, estudando, se relacionando de forma satisfatória para si e o outro, sendo produtivo e com perspectivas de desenvolvimento e futuro. E aqui podemos nos perguntar, como diferenciar este ser de outro que não tem as mesmas vivências? Ou seja, são as experiências espirituais de um indivíduo são dados comprobatórios de normalidade ou patologia, ou mesmo estão relacionadas a estes rótulos indissociavelmente?
Maslow estudou casos de indivíduos que ele denominou de “auto-atualizadores”, que eram:
os que haviam alcançado um nível de funcionamento melhor, mais eficiente e saudável do que o homem e a mulher comuns. Maslow argumentava que erais exato generalizar sobre a natureza humana estudando os melhores exemplos que pudesse encontrar, do que catalogando os problemas e falhas dos indivíduos comuns ou neuróticos (Fadiman & Frager, 1986, p.263).
A partir de suas pesquisas com inúmeros indivíduos e com o foco, de buscar o mais saudável no ser humano, percebeu inúmeras características comuns a estas pessoas. Uma dessas características é o que ele denominou de “experiências culminantes”. Conforme nos mostra Fadiman & Frager (1986):
Maslow percebeu que alguns indivíduos auto-atualizados tendem a ter muitas experiências culminantes, enquanto outros raramente às têm, se as iverem. Chegou a distinguir entre auto-atualizadores psicologicamente saudáveis, seres humanos produtivos, com pouca ou nenhuma experiência de transcendência, e
outros para os quais o vivenciar transcendente era importante ou até mesmo central. (…) Maslow escreveu que auto-atualizadores que transcendem são na maioria das vezes mais conscientes do sagrado de todas as coisas, da dimensão do transcendente da vida, no meio das atividades cotidianas. Suas experiências culminantes ou místicas, tendem a ser valorizadas como os aspectos mais importantes de suas vidas (p. 267).
Na área de saúde mental existem por vezes, diversoreconceitos, opiniões e interesses, muitas vezes exigidos pelo modelientifico positivista, que dificultam uma visão mais humana de algunenômenos de ocorrência na psicodinâmica do sujeito. Com isso, percebue há a necessidade de uma discussão aberta sobre o assunto da possível
“despatologização” destes fenômenos, na busca de eventuais aspectoumanos, positivos e saudáveis eventualmente existentes nestaivências.
Em Camon (2008), há um posicionamento semelhante, que diz que: “Talvez a idiossincrasia a que se atribuam diferençaxistentes entre diversas correntes do pensamento contemporâneo nadais é do que posicionamentos meramente preconceituosos” (p. 27). ontinua: “A psicologia ao se aproximar das manifestações religiosas, está, na realidade, buscando também um aprumo para se fazer de fato umiência que compreenda as pessoas em sua verdadeira humanidade” (ibidem,
p. 29).
A ciência moderna nasce como uma proposta de objetivar o conhecimento humano, questionando a explicação Aristotélica da ordem de natureza e, ao mesmo tempo, procurando formular essas mesmas leis coma base racional (Schultz e Schultz, 2005). A psicologia moderna científica tem bases mecanicistas ositivistas, características da Idade Moderna, onde o conhecimentumano se limita somente aos fenômenos e fatos naturais observáveis daneira objetiva, por meio dos denominados métodos científicos. Dcordo com Schultz e Schultz (2005):
Em meados do século XIX, 200 anos após a morte de Descartes, terminava o longo período da psicologia pré-científica. Nessa época, o pensamento filosófico europeu fompregnado por um novo espírito: o positivismo. O conceito e o termormam a base do trabalho do filósofo francês Auguste Comte (…). A fim de controlar melhor esta tarefa ambiciosa, decidiu limitar o trabalho a fatos inquestionáveis, ou seja, aqueles determinados exclusivamente por métodos científicos. Dessa maneira, a visão positivista referia-se a um sistema baseado exclusivamente nos fatos observáveis objetivamente ndiscutíveis (p. 39).
A psicologia como ciência e depois comisciplina acadêmica formal, utilizava os métodos das ciências naturais,
principalmente a fisiologia. Por exemplo, Wundt, considerado fundadoa Psicologia, estudava a consciência pelo método da análise ou dedução, tentando eliminar a subjetividade das sensações para não sofrer
nenhum tipo de influência de interpretações pessoais. Tanto é que “ontribuição de Wundt para a fundação da psicologia moderna é devida não
tanto a uma única descoberta cientifica quanto à promoção vigorosa dxperimentação sistemática realizada por ele.” (Schultz e Schultz, 2005,
p. 78)
Nesta mesma época, no campo da saúde mental (medicina, psicologia, psiquiatria e psicanálise), a psicopatologia ainda ensaiaveus primeiros passos no meio científico e acadêmico. Comsicopatologia foram considerados “os sofrimentos da alma e, em termoais amplos, os distúrbios do psiquismo humano, a partir de umistinção ou deslizamento dinâmico entre o normal e o patológico” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 617). Segundo Sonenreich (1979): “Ribot (1881) parece ser rimeiro a falar de Psicologia Patológica. A primeira cátedra destisciplina é de Dumas, em 1905. Psicologia Patológica aparece como o que seria mais tarde a Psiquiatria” (p. 3).
Cazeto (2001) nouxilia a esclarecer estas informações históricas anteriores, pois: “Foi
para Ribot (1839-?), que não era médico, mas filósofo, que pelrimeira vez foi criada uma cadeira de psicologia no prestigiado Collège de France.” (p. 251) Sonenreich e Bassit (1979)
ainda nos instrui, que Jaspers em 1911 escreveu um tratado utilizadurante muito tempo, como base nos cursos de psicopatologia e neste,
quando elabora suas definições do que seria psicopatologia, diz que:
(…)
entre Psicopatologia e Psicologia não existem limites precisos e muitas questões, são tratadas igualmente por psicólogos e psicopatologistas…
As duas ciências não estão, em princípio, separadas… A Psicopatologia investiga muitos fatos cujos correspondentes normais ainda não orastabelecidos pela Psicologia (Jaspers apud Sonenreich e Bassit, p. 3).
Ampliando a discussão frente à controvérsia do que seria próprio da Psicologia ou da Psiquiatria, sem nos alongarmos demasiadamente nesta questão,quão é o foco de nossa pesquisa, podemos apenas citar que, segundo Sonenreich e Bassit (1979), em dado momento, uma visão corrente era a de que “a Psicologia seria um método de relacionar os aspectos da conduta entre si. Significariompreender condutas patológicas em função de outras condutas, normaiu anormais” (p.12). E para a psiquiatria:
É em geral diante dm comportamento, diferente, anormal, que se coloca o problema da doença mental. Embora seja óbvio que nem toda a manifestação psíquica anormaossa ser qualificada ou concebida como psicopatológica, o psiquiatra é solicitado, pelo menos quando a manifestação psíquica anormal perturba, incomoda a sociedade ou o próprio indivíduo (ibidem, p.27).
Claro está o fato de que o termo “Psicopatologia não tem, em todos oiscursos, a mesma significação” (Nogueira Filho, 2001), como o próprionenreich deixa bem claro em seus escritos. Portanto, estas citaçõeos valem apenas para mantermos presente a perspectiva de que semprouve uma controvérsia histórica sobre a ciência aplicada ao estudo donsciência e da subjetividade, especificamente quando se trata dlassificação de normal e patológico.
Especialmente quando srata da psicologia, pode nos auxiliar ter em mente algumaerspectivas, como a de Thomas Kuhn, onde “o estágio de esenvolvimenta ciência, quando ainda se encontra dividida em escolas de pensamento, foi denominado pré-paradigmático” (Schultz e Schultz, 2005, p. 19). E no caso:
A psicologia ainda não atingiu o estágio paradigmático. Ao longo de toda a história da psicologia, os cientistas e profissionais
vêm buscando, adotando e rejeitando diversas definições relacionadaom a área. Não houve uma única escola ou uma única visão capaz dnificar as diversas posições (Ibidem, p. 20).
Sendo assim, podemos questionar, quem de fato estaria habilitado para definilaramente conceitos como normal e anormal, utilizados historicamente na
disciplina da Psicopatologia, como citados acima, para avaliar sebjeto de estudo? Sonenreich e Bassit (1979) na introdução de seu livro,
intitulada de “Notas de leitura para uma Psicopatologia”, acredita que:
As relações entre Psicopatologia (ciência, discurso) e o psiquismlterado ou doente, podem ser encaradas, como as relações entre qualquer ciência e seu objeto. O objeto é (postulamos) uma realidade; a ciência é outra realidade (…). Falamos de memória, inteligência, como “objetoe estudo”. Mas por que inventamos tais conceitos? O que nos leva onsiderá-los como objetos? Mesmo se eles existem como tal, a minhompreensão deles, as teorias que elaboro, os métodos que uso parensá-los, são “meus” instrumentos (…). A ciência tem suas própriaegras, diferentes daquelas do objeto que ela quer documentar, significar. Às vezes nem corresponde às realidades intrísecas (p. 1).
Borges (2008) nos dá uma boa perspectiva sobre a relação deste assunto, com ema aqui abordado, quando se trata especificamente da Psicologia:
Em um século e meio de existência a psicologia teve que se deparar com uaradoxo inescapável: ao mesmo tempo em que para se afirmar enquantampo do conhecimento científico viu-se obrigada a manter uosicionamento alinhado aos princípios da ciência positivista, não pôdambém se afastar, ou pelo menos ignorar, o estudo do fenômeneligioso, que integra os processos subjetivos do desenvolvimentumano. Portanto, seria natural, que os principais precursores dessova ciência se debruçassem no estudo da religião partindo de ueferencial distinto da teologia (…). Seu objeto de observação,
diferentemente, estaria circunscrito no comportamento do homem religioso com todos os elementos afetivos, ideativos e expressivos (…). É partindo dessa posição que alguns expoentes que marcaram a história dsicologia no início ao decurso do último século, abordaram o fenômena experiência religiosa (p. 9).
Quando realizamos uma revisão bibliográfica, no campo da saúde mental, principalmente dentro da abordagem psicanalítica sobre psicopatologia, percebemos que esta última, bastante utilizada dentro da psicologia, é uma abordagem teórica que sempre privilegiou o estudo do patológico.
Há pelo menos três grandes correntes psicanalíticas desenvolvidas durantste mais de um século de pesquisa, desde Freud e seus primeirolementos teóricos da disciplina, que hoje podemos denominar como:
(…) 1) psicologia do ego, originada da clássica teoria psicanalítica dreud; 2) teoria das relações de objeto, originadas no trabalho delanie Klein e membros da “Escola Britânica”, incluindo Fairbain,
Winnicott e Balint; 3) psicologia do self, originada de Heinz Kohut e elaborada por muitos que contribuíram subsequentemente (…) (Gabbard, 2006, p. 35).
Tendo em vista, portanto, que hoje podemos nos referir a estas Psicanálises, com o intuito de ampliar as possibilidades da pesquisa, parnriquecê-la em conteúdo, já que os vários teóricos contribuíram daneira substancial para a Psicologia.
Klautau & Sousa (2003) nos auxilia neste sentido, corroborando que:
Diante da multiplicidade dos caminhos abertos por Freud, coube a cada um dosicanalistas pós-freudianos a escolha do aspecto a ser privilegiado neorização de suas preocupações clínicas. Como resultado, diversarientações teóricas emergiram privilegiando um registro distinto derança freudiana, a ponto de hoje em dia não termos de modo estruturado uma única teoria que defina a psicanálise. Falamos sobre psicanálises, sobre a pluralidade de orientações que constituem seu campo. Por muitempo esta diversidade foi considerada expressão de uma desordem quevia ser combatida pela filiação a uma escola que garantiria egitimidade e a existência da psicanálise. A meu ver, é justamente esta diversidade que confere vida e confere a maior de todas as riquezancontradas na psicanálise: a possibilidade de conversar, a partir diversos olhares, em torno de um objeto comum (apud Bezerra Jr, 2007, p. 269).
Na pesquisa deste tema, buscando a isenção na busca dormal e patológico das vivências espirituais, torna-se necessário fugir
das “polaridades desnecessárias – é edípico ou pré-edípico, conflito ou déficit, teoria clássica ou psicologia do self, redução de tensão ou busca de objeto” (Gabbard, 2006, p. 56), pois:
(…) a especificidade das vivências religiosas mesmo nos que se denominateus e tantos outros pensadores originais, de Bion a Lacan, reconheceram na religiosidade profunda sua potencialidade especial dabedoria. Enfim, a psicanálise nas últimas décadas tem-se aberto cadez mais para a originalidade das experiências humanas com o sagrado (Dalgalarrondo, 2008, p. 72).
Portanto creio que a perspectiva psicanálise psicodinâmica, defendida por alguns teóricos, comabbard (2006), que pondera que: “Não seria possível tanto o edípicuanto o não-edípico, o conflito e o déficit serem relevantes para ompreensão de um paciente em particular? É claro que sim” (p. 56). esmo sabendo que esta perspectiva “exija uma maior amplitude donhecimento, ela permite uma compreensão mais rica dos pacientes e dua psicopatologia” (ibidem, p. 57).
Japiassu (2009), referindo-se a utilização da Psicanálise, esclarece que:
Entre os debates técnicos ou teóricos mais importantes, destacou-se o decessidade de se manter ou não certa ortodoxia, vale dizer umbrigatória referência a Freud. Não se trata apenas de uma reverência ao pai fundador ou de uma revolta contra sua onipotência. Trata-se muitais de um teórico “retorno a Freud”, revalorizando e aprofundando ospectos fundamentais de sua teoria (…). A primeira ortodoxia consiste
em conhecermos Freud, antes dele divergirmos: sem nenhuma submissão, devemos nos situar nele, antes de nos situar depois dele (p. 36).
Portanto, na busca da compreensão da psicodinâmica e estrutura do indivíduo, podemos nos utilizar de propostas como as de Jean Bergeret, autor dsicanálise e que estudou profundamente o normal e o patológico nastruturas de personalidade. Nas teorias das relações de objeto, vemoa figura de Winnicott, conceitos sobre a constituição do self, ou mesmo construções originais como a de “espaço potencial”, que certamentontribuem para nosso debate, ao nos permitir um olhar da constituiçãubjetiva do ser nas fases pré-edípicas e suas possibilidades normais atológicas.
Como contraponto a esta posição apresentada acima, há a proposta da Psicologia Transpessoal. Maslow, em 1968, publica ivro “Introdução a Psicologia do ser”, onde escreve na introdução, algo que é considerado como o anúncio da Psicologia Transpessoal. Elscreve que:
Devo também dizer que considero que a Psicologiumanista, ou Terceira Força da Psicologia, apenas transitória, umreparação para uma Quarta Psicologia ainda “mais elevada”, transpessoal (…). Sem o transcendente e o transpessoal, ficamos doentes iilistas, ou então vazios de esperança e apáticos. Necessitamos de algo “maior do que somos”, que seja respeitado por nós próprios e a que nontreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico (…) (Maslow, 1968, p. 12).
E um dos objetivos desta proposta é exatamente o de estabelecer um diálogo entre as abordagens qurivilegiam o psicopatológico e, levando estas abordagens em conta, verificar a possibilidade do “normal” dentro das vivências espirituais. Os autores da psicanálise nos servem de reflexão, base e contraponto, para a ampliação do tema, dentro da proposta da Psicologia Transpessoal, que busca compreender o fenômeno espiritual, dentro de uma ótica maintegradora, sem desconsiderar as possibilidades psicopatológicas, maambém considerando a possibilidade de saúde, dentro das vivênciaspirituais. Segundo Tabone (2003), “a Psicologia Transpessoal se situomo um “movimento” no campo da Psicologia, que utiliza o conhecimente várias disciplinas e converge para uma síntese progressiva de dadoobre a consciência humana” (p. 28).
Dentre os teóriconquadrados nesta abordagem, podemos citar principalmente Stanislav Grof e Ken Wilber, pioneiros e fundadores dos estudos transpessoais. rimeiro, psiquiatra com formação sólida em psicanálise, sendo estudioso de longa data sobre as possibilidades das vivências espirituais, daneira sistematizada, nos fornece alguns sólidos parâmetros teóricoara reflexão e base. E com o último e seu modelo denominado de “Pluralismo Metodológico Integral”, há a possibilidades de ampliar ercepção das experiências espirituais, buscando o entendimento equânime do que pode ser normal e patológico. Já que esta é uma temáticecorrente neste autor e que segundo Wilber (2006), quando tratamos duestões que contêm diferenças epistemológicas, como as que envolvesicologia e Espiritualidade, devemos considerar que:
(…) luralismo Metodológico Integral é um modo de lidar com estas questõeomplexas. Explicitamente, ele abre espaço para as verdaderé-modernas, modernas e pós-modernas, em um modelo integral, não donclusões, mas de perspectivas e metodologias (…). O Pluralismetodológico Integral pode reconstituir as verdades relevantes daradições contemplativas, mas sem os sistemas metafísicos que não
sobreviveram às críticas modernistas e pós-modernistas; elementos que,
de qualquer maneira, como fica claro, são desnecessários para elas (p.
71-72).
Wilber (2007) em seus escritos, possibilita uma ampleflexão sobre o que ele chama de “falácia pré/trans”, onde discute auestões do podemos denominar de pré-egóico, ou pré-pessoal e drans-egóico ou trans-pessoal. Ou seja, ele possibilita em suetodologia e reflexões, um entendimento e um diálogo sobre axperiências espirituais e o que ele denomina de “confusão” entre estestados. De sua perspectiva o que pode ocorrer é que:
Em qualquer sequência de desenvolvimento – pré-racional, depois racional, até transracional; subconsciente, em seguida, consciente, até o inconsciente coletivo; pré-verbal, depois verbal, até transverbal; pré-pessoal, depois pessoal, até transpessoal – os componentes “pré” e “trans”
costumam ser confundidos, e essa confusão ocorre nos dois sentidos. Depois de confundi-las, alguns pesquisadores tomam todas as realidaderansracionais e tentam reduzi-las a infantilismos pré-racionais (poxemplo, Freud), ao passo que outros tomam alguns elementos infantiré-racionais e os elevam à glória transracional (por exemplo, Jung). Tanto esse reducionismo quanto essa elevação partem da mesma falácia do pré/trans (p. 75).
Desta forma, esta abordagem nos parece relevante para discussão pois podemos à partir desta formulação de Wilber, entender alguns pontos importantes no diálogo com os pensadores dsicanálise. Wilber (2006a) é por vezes contundente em suas colocações:
Se você não crê no Espírito, toma cada evento transracional e o reduz mpulsos pré-racionais e disparates pré-verbais, talvez alegando que ele
seja regressivo, nada mais do que um resquício da vasta fusão dorimórdios do ser. Você é um ótimo reducionista, tem uma legião de nomes
e segue sua vida feliz, sintetizando transracional em pré-racional. (…) Com esse truque, essa preguiça intelectual, todas as realidaderansracionais são descartadas. Se, por um lado, você acredita nspírito, e qualquer coisa não racional é espírito, então parece quodo o espasmo ou ferroada pré-racional – por mais infantil, regressivo, egoísta, irracional ou egocêntrico – é, de certa forma, profundamentspiritual ou religioso, e assim você prossegue reforçando as áreas eua percepção que mais combatem a maturidade (p. 76).
E maiircunscrita às questões das vivências espirituais e suas patologias, Wilber possui um extenso estudo sobre a questão. Por exemplo, em seustudos sobre as tradições espirituais e as correlações possíveis com os conhecimentos da moderna psicologia, ele afirma que:
(…) umoisa é certa: as grandes culturas tradicionais, por toda a suabedoria, não têm nada igual a ela. (…) uma compreensão dsicodinâmica, e modos de curá-la, é uma contribuição exclusiva dsicologia ocidental moderna (…). Conseqüentemente, mesmo meditadores e
mestres espirituais avançados costumam ser assombrados pelsicopatologia, pois suas sombras os perseguem até a Iluminação,
deixando um rastro de destruição pelo caminho (ibidem, p.157).
Wilber (2006b), resume algo deste seu pensamento, quando fala que “Se você não
favorece Freud, será difícil chegar à Buda” (p. 187). E é esterspectiva que motiva este artigo e as possibilidades de investigação e discussão clínica do assunto e dá margem para a relação entre algunontos da psicanálise e da Transpessoal.
Especificamente, quanto à utilização de teóricos ligados à abordagem Transpessoal, interligados à pesquisa do normal e patológico, entendemos que:
Experiências Transpessoais têm sido aspectos importantes da vida humana em toda istória. A maioria das culturas e sociedades foi profundamenteligiosa; seu sistema de valores apoiou tais experiências e deu-lhealor. A sociedade moderna ocidental tem-se mostrado menos aberta aoenômenos transpessoais há algumas décadas, espaço de tempo na realidade muito pequeno em relação a toda a história do Ocidente. Deveríamoembrar que a dimensão transpessoal foi de importância central naioria das sociedades através da história. Para um estudante dersonalidade, seria tão insensato negligenciar este setor donsciência como seria ignorar a psicopatologia. É um reflexo dmaturidade da Psicologia, e não de sua sofisticação. O fato dela teedicado maior esforço a compreensão da doença humana do que à
transcendência humana (Fadiman, 1986, p. 284).
Portanto, cremos que esta linha de investigação e pesquisa dentro da área clínica pode ser muito produtiva e de grande importância, para o entendimente como lidar com uma demanda crescente de indivíduos que possuem comoco de suas angústias e transtornos, questões relacionadas aranscendente, espiritual ou religioso. Pensando também no número enorme de crenças “new age” espalhadas por todo o mundo, devemos perceber qunalienavelmente, esta perspectiva faz parte do ser humano e deve seonsiderada em sua totalidade, com seus eventuais problemas e até psicopatologias associadas, mas também em suas possibilidades saudáveis. E deste modo, faz sentido que adotemos o que há de melhor nompreensão tanto dos aspectos normais, quanto dos patológicos frente stas questões, com o intuito sempre de termos os melhores subsídioara o auxílio dos que nos procuram como profissionais, em buscam dntendimento de suas questões existenciais.
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