Há
tempos atrás, eu estava com minha esposa e meus dois filhos, gêmeos, na ocasião
com 2 anos e meio, em nosso carro, indo a um local onde faríamos algumas
compras e aproveitaríamos para jantar. No trajeto, até o local, minha esposa,
que estava ao meu lado no banco de passageiros, fazia uma ligação. Ela falava
com um funcionário de uma loja, onde ela havia deixado o meu relógio para
consertar dias atrás e queria saber se o mesmo já estava pronto para
retirarmos.
Um detalhe importante deste evento que
relato é que o motivo pelo qual meu relógio estava no conserto é que um de meus
filhos, que adora apertar todos os botões disponíveis e não disponíveis, andara
mexendo em meu relógio, mesmo frente as minhas reiteradas advertências e por
fim, encontrei-o um dia quebrado. Sabendo, portanto, que o “autor” do ocorrido
era meu filho e que apesar de minhas insistentes recomendações, sua curiosidade
infantil fora maior. Fiquei chateado, mas não lhe disse nada e apenas combinei
com minha esposa o concerto do relógio.
Nesta cena vivida no carro, meu filho
apenas escutava a conversa de minha esposa com o funcionário da loja, sem ainda
saber do ocorrido. E após minha esposa desligar o telefone, passados alguns
minutos em que conversávamos já de outro assunto, meu filho, que certamente foi
o responsável pelo evento do relógio pergunta: “Papai, o que aconteceu com o
seu relógio?”
Eu disse a ele que havia quebrado. Ele
então questionou como isso tinha acontecido. Então expliquei que provavelmente
o relógio havia quebrado por ele ter apertado o botão inúmeras vezes, para ver
os ponteiros ficarem “girando”. Meu filho ficou perguntando várias vezes, ao
modo das crianças de sua idade, “por que” aquilo havia acontecido e depois de
eu explicar umas três vezes o que eu imaginava ter ocorrido ele repetia em
forma de pergunta: “Fui eu que quebrei?” Eu então completei que não havia
falado nada para ele, pois eu entendia que ele não havia feito de propósito e
que apenas havia mandado arrumar o relógio.
Ele calou e continuamos eu e minha esposa
conversando de outros assuntos. Quando meu filho interrompe nossa conversa e me
chama do banco de trás insistentemente. Pergunto então o que ele quer e ele
apenas diz: “Papai, eu te amo!” Retribuí o gesto, que procuramos cultivar em
nossa família, de demonstrar afeto, mas desta vez houve algo que me tocou.
Entendi que meu filho estava retribuindo
meu afeto, em forma de compreensão, de não repreendê-lo, mas apenas conversar
sobre o que houve no ocorrido com o relógio. E este ocorrido me fez refletir
profundamente.
Uma criança de apenas 2 anos e meio, pode
assumir sua responsabilidade frente a seus atos, pois certamente meu filho
compreendeu que ele foi quem causou a quebra do relógio. Mas quando agimos com
o coração, ao invés de modos até mais convencionais de educação, adotados por
muitos pais e educadores, podemos ter resultados muitas vezes melhores. Pois
não tenho dúvida que meu filho refletiu sobre o que havia feito, mas também
pode compreender que apesar do que fez a compreensão e o amor que sinto por
ele, era maior do que qualquer erro que ele pudesse cometer. E de fato, muitas
vezes na vida, o que precisamos é apenas de alguém que nos compreenda e que
possa nos amar, a despeito dos erros que por ventura possamos cometer.
Esta reflexão vale para a vida, pois em
nossos relacionamentos familiares, no trabalho, nos encontros casuais que
temos, sempre nos depararemos com o outro, que trará suas questões e respostas
as situações, diferentes das que temos como “certas”. E como psicoterapeuta,
percebo cada vez mais, que o que as pessoas na maioria das vezes precisam para
crescer e se tornarem melhores, mais afetivas, reconhecerem e aprenderem com
seus “erros” é que alguém as entenda e ame, acima de tudo. Pois certamente o
amor é curativo e na maioria das vezes, tudo o que as pessoas necessitam para
se desenvolverem e crescerem.